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terça-feira, 19 de março de 2013

Mortes de voluntários no salvamento podem levar a indiciamento de bombeiros

A imagem de bombeiros imersos em cenas de heroísmo pode sair arranhada ao final do inquérito que investiga a morte de 241 pessoas em 27 de janeiro, no incêndio que destruiu a boate Kiss em Santa Maria.
Pelo menos três soldados e suboficiais ligados ao Grupo de Incêndio da cidade podem ser indiciados por homicídio — caracterizado na omissão e atos de imprudência durante a operação de salvamento dos frequentadores da danceteria. Só não há certeza do indiciamento porque o Ministério Público reluta em denunciar os envolvidos, já que teriam participado do socorro e, por isso, seriam vistos como ídolos pela comunidade.
Os cinco delegados que investigam o incêndio estão convencidos de que um grupo de bombeiros (pelo menos três militares) não fizeram tudo o que poderiam para evitar as mortes e, além disso, expuseram voluntários a risco mortal. Os bombeiros teriam convocado populares como voluntários para entrar na boate, contrariando normas básicas.
Esses salvadores improvisados ingressaram no local de incêndio sem qualquer equipamento de segurança ou treino. O pior nisso tudo é que cinco pessoas que entraram para salvar os frequentadores da boate também morreram, sufocadas pelos gases tóxicos emanados do fogo.
— Falamos com familiares desses mortos e comprovamos que todos morreram após voltarem como voluntários, numa operação estimulada pelos bombeiros. Ocorreu ingresso dessas pessoas num lugar onde só profissionais poderiam entrar, com máscara. Bombeiros fizeram outros assumirem um risco que deveria ser de pessoas treinadas — pondera um dos delegados que participa da investigação.

Sócio da Kiss disse que pediu máscara a bombeiro e não conseguiu

O indiciamento pode ser por homicídio doloso eventual (os bombeiros assumiram o risco de provocar mortes, mesmo sem desejar) ou por homicídio culposo (no caso, por imprudência).
Os policiais estão amparados em depoimentos prestados por 28 bombeiros e também por testemunhas-chave, que estavam na boate durante o incêndio. É o caso de um dos sócios da Kiss, Elissandro Spohr, o Kiko. Ele disse ter pedido uma máscara de oxigênio para um bombeiro para voltar dentro da boate, mas o equipamento lhe foi recusado.
O dono da danceteria teria sugerido ingressar no recinto atado a uma corda, para poder ser resgatado em caso de urgência, mas outro bombeiro teria dito que "isso é coisa de filme americano."
Outro depoimento que deve embasar o provável indiciamento dos bombeiros que participaram do combate ao incêndio na Kiss é o do produtor da banda Gurizada Fandangueira, Luciano Bonilha Leão, que estava junto ao palco quando o fogo começou. Conforme seu advogado, Gilberto Weber, Leão definiu o trabalho dos bombeiros como "precário".
O produtor disse, em depoimento, que faltavam equipamentos de todo o tipo — "vi apenas uma máscara de oxigênio", consta em seu depoimento. Bonilha Leão assegurou à polícia que muitas pessoas que fugiam da boate em chamas eram jogadas de volta para dentro da danceteria por jatos de água das mangueiras dos bombeiros. Isso, no entender dos policiais que investigam o caso, caracteriza imperícia dos bombeiros, o que pode motivar indiciamento por homicídio culposo.

Bombeiros não teriam equipamentos de resgate suficiente

A falta de equipamentos também teria sido admitida pelo comandante da guarnição de Santa Maria, tenente-coronel Moisés Fuchs, em depoimento à Polícia Civil dia 14.
O inquérito policial deve salientar que, ao mesmo tempo em que faltavam equipamentos básicos aos bombeiros (como máscaras e compressores de ar), a guarnição de Santa Maria chegou a pedir verbas para gastos supérfluos. Entre eles, duas cafeteiras avaliadas em R$ 11 mil e equipamentos de musculação orçados em R$ 51 mil. As compras não chegaram a ser autorizadas porque foram consideradas absurdas pelos empresários que administram o Funrebom (Fundo de Reequipamento do Corpo de Bombeiros) de Santa Maria.

Dois oficiais também podem ser responsabilizados por negligência

O indiciamento por homicídio pode atingir outros dois oficiais dos bombeiros. Está praticamente definido o indiciamento por homicídio doloso de dois oficiais da guarnição de Santa Maria: o tenente-coronel da reserva Daniel da Silva Adriano, e o capitão Alex da Rocha Camilo, que continua em atividade. Os dois autorizaram o funcionamento da boate por meio de alvarás.
Os policiais estão convictos de que precauções básicas foram quebradas com essa autorização, como a existência de apenas uma entrada/saída geminadas, além de corredores que impossibilitavam a saída de pessoas em curto espaço de tempo. A boate também funcionou com alvará vencido, sem que os bombeiros tivessem fechado o estabelecimento por isso.
A reportagem tentou ouvir o comandante dos bombeiros de Santa Maria, tenente-coronel Moisés Fuchs, na manhã desta terça-feira, mas ele disse que as explicações sobre o incêndio na Kiss só podem ser dadas pela assessoria da Secretaria Estadual de Segurança Pública.
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