Porta-retratos com fotos da "prova de toga" decoram o quarto no sétimo andar do Hospital de Clínicas de Porto Alegre onde a estudante de Engenharia Florestal Cristina Peiter, 23 anos, se recupera dos ferimentos causados pelo fogo na boate Kiss. Entregues pessoalmente por colegas de curso da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) que a visitaram, as lembranças servem de estímulo para o progresso do tratamento.
— Preciso terminar meu TCC e fazer o estágio, mas acredito que vai dar tudo certo para eu conseguir me formar em agosto — cochicha Cristina, sem conseguir falar mais alto devido ao inchaço nas vias aéreas, causado pela inalação da fumaça.
Na madrugada do incêndio, há exatos dois meses, a jovem lembra de ter chegado consciente até a porta, mas o tumulto a impediu de sair da boate. Ela sabe que foi retirada de dentro do prédio por um rapaz "alto e forte" e que uma viatura da Brigada Militar a levou até o Hospital de Caridade, conforme o relato da amiga Raquel Trevisan, que estava com ela na festa e saiu ilesa da tragédia.
— O despertar da Cristina nos preocupava, porque a gente não sabia como ela iria lidar com essas lembranças, mas ela está conseguindo reagir com tranquilidade — comenta o pai, Astor.
Com 22% do corpo queimado, Cristina foi uma das primeiras a ser transferida para Porto Alegre. Ficou 25 dias na UTI, 18 deles em coma induzido. Ela recebeu enxertos de pele nas pernas e em um dos braços. A última cirurgia foi na quinta-feira passada, por isso, ainda deve passar mais um mês hospitalizada.
Enquanto a jovem não pode mexer os braços para digitar, são os irmãos dela, Mateus, 20 anos, e Guilherme, 17 anos, quem mantêm os amigos informados pelas redes sociais. Mateus é estudante de Veterinária na UFSM e não foi à boate porque tinha programado sair cedo na manhã seguinte para ir à fazenda de um colega, em São Gabriel. Acabou madrugando no hospital para acompanhar o atendimento à irmã, enquanto os pais se deslocavam desde Três de Maio, onde visitavam parentes.
Nos últimos dois meses, os pais da jovem, Astor e Nilva, moradores de Casca, no norte do Estado, se uniram a dezenas de famílias vindas do Interior para cuidar de seus rebentos.
— A convivência criou uma amizade. São 60 dias juntos — conta José Carlos Ravanello, pai de Renata, 25 anos, de Cruz Alta.
Prova do envolvimento é que José Carlos tem na ponta da língua os nomes dos outros pacientes que seguem internados e vibra com cada um que recebe alta. Renata ainda deve demorar mais algumas semanas para voltar para casa, pois terá de receber um novo implante de pele nos próximos dias.
O pai conta que ela tinha feito a última prova da pós-graduação em Direito do Trabalho no dia da festa. Não fosse isso, nem estaria em Santa Maria.
— Mas agora o pior já passou. Ela está conversando bem, se alimentando bem e não vê a hora de voltar a trabalhar — comemora.
Dos 145 internados desde o dia 27 de janeiro, sete morreram. Sete continuam internados em hospitais de Porto Alegre, sem risco de morrer. Apenas um, em estado regular, permanece em CTI e inspira cuidados. Ao lado, a lista completa dos internados.
Os jovens internados:
Dois meses após o incêndio na boate Kiss, sete jovens se recuperam de ferimentos em dois hospitais da Capital. Todos tiveram queimaduras no corpo e passaram por cirurgia de implante de pele. De acordo com os familiares que forneceram informações sobre o estado de saúde, a alta pode levar pelo menos mais 30 dias. Apenas uma paciente está no CTI.
Hospital de Clínicas
Cristina Peiter
- 23 anos, de Três de Maio, estudante de Engenharia Florestal da UFSM
- Uma das primeiras a ser transferida, ainda no dia 27 de janeiro, Cristina saiu da UTI há cerca de um mês. A jovem, que teve 22% do corpo queimado, fez um novo enxerto de pele na quinta-feira passada. Recupera-se bem.
Kelen Geovana Leite Ferreira*
- 19 anos, de Alegrete, estudante de Terapia Ocupacional na UFSM
- Com 30% do corpo queimado, Kelen ficou 24 dias na UTI. Ela recebeu implantes de pele nos dois braços. Devido a problemas de circulação, a jovem teve o pé direito amputado e segue internada para se recuperar de pequenas complicações.
Marcos Belinazzo Tomazeti
- 21 anos, de Dom Pedrito, estudante de Agronomia da UFSM
- A mãe, Terezinha, prefere não dar informações sobre o estado de saúde de Marcos à imprensa.
Mariane Wallau Vielmo
- 24 anos, de Santiago, estudante de Sistemas de Informação da Unifra
- Internada no CTI do Hospital de Clínicas. O irmão, Maurício, informa que ela se recupera bem, mas a família prefere não fornecer detalhes.
Renata Pase Ravanello
- 25 anos, de Cruz Alta, funcionária da prefeitura de Júlio de Castilhos e pós-graduada em Direito do Trabalho
- Deve passar por uma nova cirurgia de implante de pele ainda nesta semana. Com queimaduras em 20% do corpo, a jovem já recebeu enxerto nos dois braços e no pé direito.
Hospital Mãe de Deus
Ritchiele Pedroso Lucas*
- 19 anos, de Santa Maria, estudante de Ciências Biológicas
- As queimaduras atingiram cerca de 30% de seu corpo. Irmã de Driele Pedroso Lucas, a 241ª vítima da Kiss, que morreu no dia 7 de fevereiro, Ritchiele já caminha e conversa com os familiares.
Juciane Bonella
- 21 anos, de São Marcos, estudante de Medicina Veterinária da UFSM
- A família aguarda avaliação dos médicos sobre a necessidade de novos implantes de pele. A jovem precisou de enxertos nos braços. Além de fisioterapia, ela faz fonoaudiologia, para recuperar a voz, afetada pela inalação da fumaça.
*Informações atualizadas na sexta-feira. A reportagem não conseguiu contato com os familiares nesta terça-feira.